Imagine-se em meio a uma tempestade catastrófica, quase apocalíptica, toda aquela agitação, o mundo virando do avesso. Imagine as sensações que isso lhe causaria, mas esqueça o medo... pense somente no estado de êxtase diante da magnitude do acontecimento; tente sentir como a vida lhe pareceria mais intensa.
Será que você pode sentir a força que isso teria, a intensidade que a vida passaria a ter?
Bem, ao ler certos poemas de Florbela Espanca, tenho a sensação que ela os escreveu no fervor dessa tal sensação que acabo de lhe dizer. Parece-me que, ao tomar papel e pena, deixava-se pensar estar nos últimos instantes de vida, tamanha intensidade que alguns de seus versos trazem.
E entregou-se. Entregou-se ao sentimento mais inevitável da vida, o amor. Cantou o amor, em seus versos, como se só houvesse aquele último segundo pra amar...
Como poderia viver alguém assim, de tamanha entrega?
Não pode...
Suicidou-se na data de seu 36º aniversário, a 8 de dezembro de 1930.
Não conheço todos os textos da poetisa (nem sequer posso dizer "muitos"), mas com o pouco que li, sinto-me habilitada para dizer que deixou uma obra magnífica para o nosso deleite (e põe deleite nisso!).
Eis minha pequeníssima seleção:
CRUCIFICADA
Amiga ... noiva... irmã... o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecê-las,
Ao beijar a esmola que me deres.
Podes amar até outras mulheres!
— Hei-de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!
Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei-de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.
E depois... Ah! depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!
AMAR!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, ou Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente! ...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
SUPREMO ENLEIO
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás-de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás-de encontrar ainda.
DE JOELHOS
‘Bendita seja a Mãe que te gerou. ’
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!
Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer...
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te ver...
Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!
E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca! !
HUMILDADE
Toda a terra que pisas, eu qu’ria ajoelhada,
Beijar terna e humilde em lânguido fervor;
Qu’ria poisar fervente a boca apaixonada
Em cada passo teu, ó meu bendito amor!
De cada beijo meu, havia de nascer
Uma sangrenta flor! Ébria de luz, ardente!
No colo purpurino havia de trazer
Desfeito no perfume o mist’rioso Oriente!
Qu’ria depois colher essas flores reais,
Essas flores de sonho, entranhas, sensuais,
E lançar-tas aos pés em perfumados molhos.
Bem paga ficaria, ó meu cruel amante!
Se, sobre elas, eu visse apenas uma instante
Cair como um orvalho os teus divinos Olhos!
São lindos os poemas dela, um que adoro é "fanatismo". :D
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