sábado, 10 de dezembro de 2011

Rasgos reflexivos da madrugada

"Desde que me cansei de procurar,
aprendi a encontrar;
Desde que o vento começou a soprar-me na face,
velejo com todos os ventos."
 Nietzsche, em A Gaia Ciência.


Eu andava vagando por lugares tão escuros, que sequer podia ver que cor tinha cada sentimento.
Eu andava tropeçando em coisas que eu mesma colocava em meu caminho.
Havia uma vala enorme entre a razão e a emoção
E eu cismava com abismos,
Mas não percebia que abismos eram esses...
Apenas covas rasas.
Então, deixei de crer em anjos e me fiz meu próprio anjo,
Lancei fora todas as minhas atitudes prontas e me deixei levar.
O mundo gritava discórdia, hipocrisia, raiva...
Mas eu só tinha verdade no meu brado de resposta.
Tudo em mim teve extrema necessidade do essencial.
...

Às vezes, tudo isso me faz crer que viver é uma boa oportunidade de observar as fraquezas alheias e, com isso, crescer...
Por vezes, ainda vejo essas fraquezas em minhas atitudes
Mas, pela ótica do aprendizado da observação, logo vou banindo-as de minha conduta...
Viver, assim, virou algo tão complexo...
Não difícil...
Apenas, complexo.
...

As pessoas falam de amor, sinceridade, alegria, carinho e não os praticam.
Demora um tempo pra entender essa sistemática da vida.
Há até quem nunca entenderá...
Pois o mundo pôs uma distância muito grande entre o dizer e o ser
E eu não penso que isso seja algo bom
Tento diminuir isso...
Rasgo palavras, perfuro significados na tentativa de dizer meu ser...
E não entendo o porquê de apenas alguns poucos tentarem isso.

domingo, 20 de novembro de 2011

Extremo...


Quando, num golpe de vida, resolveu não ter medo, esbarrou em coisas extremas.
Coisas que deveria recear, coisas que deveriam fazer recuar.
Não recuou, não sentiu o gosto amargo que tudo aquilo deveria ter.
Anestesiou o asco e a vida passou a ser um constante pular em abismos sem senti-los abismos.
E, assim, seguia. Era tudo tão bonito, encantador...
Mas, quando não se tem pavor do perigo, a vida torna-se exatamente a busca por esse pavor...
E isso pode ser além do que o corpo é capaz de suportar.
Engasgou-se com um dos fortes goles de vida que, ultimamente, andava provando
E, na garganta, já podia sentir certo gosto ferroso...
Percebeu, então, que, assim como ódio e amor se entrelaçavam, vida e morte eram um par inseparável...
Às vezes, vive-se morte ou morre-se vida, sabia?!
Foi, então, que um rastro vermelho fez-se na alva face.
Faltava-lhe tanta coisa e tinha tudo.
Algumas boas lembranças vieram...
Era tudo tão efêmero.
O olhar, já vago, nada mais via do mundo exterior, estava imerso em reminiscências, coisas há muito tempo vividas, detalhes que, captados algum dia pela retina, estavam guardados e eram recuperados pela mente confusa que, agora, já se esvaia.
Sentindo a falta, lembrou do céu, pensou em Deus e, mais uma vez, pode sentir medo...
Era tarde e a noite era escura. Estava longe de casa e a palavra casa era muito ampla...
Estava só...
E, em pouco tempo, já nem estava mais.

domingo, 16 de outubro de 2011

Um velho blues...



Venha, entre no meu carro...
E lembre-se: não lhe olharei com amor...
Mas há de ser feliz, eu prometo que lhe farei feliz..
Venha, entre no meu jogo...
Não serei legal... nem no início, mas não vou lhe machucar.
Venha, entre na minha vida
E saia logo em seguida...
Seja mais um velho blues que se deu por acabado... último acorde.

O mar...


Hoje, vi o mar... imenso.  
Não sei o que há ali...
Mas é algo que sempre me atrai e faz com que o pensamento vá a lugares que tenho medo... Ou não... Talvez seja até um medo inventado.
Meus amores sempre me fizeram pensar no mar... ou o mar sempre me fez pensar nos meus amores. Não sei ao certo.
Mas hoje, hoje, quando vi o mar, te vi...
Inventei um medo.
Já te falei que para mim o amor é uma construção? Algo que, de certo modo, opta-se por construir?
Não lembro se falei...
Desse modo, repito: o amor é coisa que se constrói. E mais, opta-se por construir...
Em contrapartida... há a paixão... neste caso, não há escolha... simplesmente vem e, quando nem se espera, vai.
Hoje pensei muito em escolhas.
Pensei também na possibilidade de construir...
Então, uma escolha possível, hoje, ao olhar o mar, veio me perturbar...
Por qual motivo essa escolha, essa possibilidade de escolha veio?
Sou mesmo menina birrenta. Sempre gostei de querer exatamente aquilo que eu não deveria querer.
Sempre cismei de fazer aquilo que não deveria fazer...
E, hoje, quando você me pareceu o mais impossível dos sonhos, quando, olhando o mar, você foi, exatamente, aquele infinito impossível de alcançar, simplesmente quis.
Há muito de desconexo neste meu pensamento, há muito de mal escrito nessas estranhas linhas. Sei de tudo isso.
Mas preciso jogar meus pensamentos. Eles vêm e eu deixo que eles saiam...
Poucas são as estranhas almas que conseguem os entender... talvez você também não me entenda.
É um risco.
Mas preciso, realmente, preciso dizer...
Como chegará pra ti? Bem, isso é algo de me amedronta...
Mas o mar, hoje, me chamou para a possibilidade de mergulhar nas profundezas de um amor...
Um estranho e inesperado amor...
E o pior... Não sei nadar.

Dar graça...


Tanto faz de conta
E para quê?
Vive de ficcionar, de inventar
Vai bem longe buscar aquilo que não tem
Mas é tudo fumaça
Névoa que transforma o horizonte e impede de ver a paisagem verdadeira
Sobe os montes, conquista reinos, vive amores... Tudo em pensamento.
E por que não vive simplesmente vida?
E tem graça?

domingo, 2 de outubro de 2011

Sonho



Escutava uma boa música e pôs-se a rememorar, entregou-se às lembranças...
...
Havia sido uma manhã fora da redundante habitual rotina.
Manhã de desejos, beijos quentes, risos proibidos.
Braços queridos e fortes a tomar seu corpo, corações que batiam, ao menos naquele momento, no mesmo ritmo. E nada precisava ser para sempre. Aquela manhã, de certo, bastava.
De maneira inefável, ele ia juntando as longas madeixas dela em suas mãos. Em posição de posse, fazia isso bem... quadro perfeito.
E não havia defeito, não havia falha, não havia erro. Tudo que havia ali era vida acontecendo.
Em dores de gozo, os corpos, não se podem negar, amavam-se, queriam-se e  tinham-se bem.
Ao fim, o bastante se fez completo e ele, que tão bem a tomou, tomava agora em seus braços a tão óbvia e velha paixão...
"E Deus disse: Haja música!”
Só ela sabe o que sentiu naquele momento e, de fato, só ela saberá.
Pois a última nota havia acabado de silenciar e já era tarde, hora de ir e voltar.

Porque um "Self-helpzinho" não faz mal a ninguém...


Sempre me atraíram mais as imperfeições, as falhas e, um dia, isso sempre voltou contra mim.
Se chorei? Ah, chorei... e como chorei, chorei com a alma (o que dói mais), mas... dois, três dias depois, fui feliz.
O segredo, me parece, está aí. O sol volta. Estar apaixonado (e aqui, entenda, me refiro a tudo) é coisa com prazo de validade curtíssimo mesmo. Nada será eterno, tudo, um dia, metamorfoseia, deixa de ser. Ser feliz sabendo do fim é “conscientizar a mente” da prática daquilo que é mais essencial na vida: os ciclos.
Sim, já começo sabendo que haverá um fim. Os grandes momentos, as grandes alegrias sempre, sempre, sempre terminam. Mas... Sabe o que tem de bom nisso? Existem começos, novos começos.
Bem, acho que a pedra de toque é mesmo essa aí.
Rir, rir e chorar, chorar... Cada coisa bem feita, feita ao seu tempo e com consciência de que nenhuma tristeza é tão grande que não vá passar... e nenhuma alegria também.
Tudo, absolutamente tudo passa, até a...(ah, trocadinho infame!). Bem, deixemos a uva quieta...
Viver é isso mesmo. E como o que eu quero é VIVER, vou seguindo, começando sabendo do fim e finalizando sabendo que haverá um começo me esperando lá na frente.
Sim, sim... Ora, “a vida é tão rara”...
E, afinal, ninguém te disse que tudo seria feliz. Ou disse?!
Enfim, esse é o seu papel, essa é aquela busca. É... bem... é... se é que, no ciclo, a felicidade é o que mais te atrai. Se não for, aplica aí pro outro lado.
Eu? Eu gosto de todo o ciclo, vivo com gosto os altos e baixos (seja lá o que for o alto e o baixo pra você... tem coisa que é tão relativa).
 Mas, sim, além de sorrir, eu também gosto de curtir aquela fossa escutando aquela música (é... essa aí que cê tá pensando), soltar aquele praaaaaaaanto convulso e desesperaaaaado e... dois, três dias depois, rir... de tudo isso. Ciclo!! Tá vendo?!
Pois é... chama aí o Raul, (se preferir) chama o Hugo... chama até o Cazuza pra te ajudar a subir as escadas (ele não vai vir, EU te garanto, experiência própria !!), mas VIVA!
O porre passa... até se for de vinho...

domingo, 25 de setembro de 2011

Incorreção...



Já posso sentir a incoerência que as taças... algumas taças de vinho me conferem...
Os pensamentos vêm de forma tão solta, quadro surreal...
Ápice do raciocínio ilógico...
Você quer toda a sua correção?
Não, meu amor, não a tenho...
E estou mais reticente que o normal...
Não, você não merece todo esse meu esforço.
Mas por que eu ainda te dedico... tanta coisa?
E o mais engraçado é que, se você nem pedisse, eu te dedicaria até mais...
Lembra? Naquele dia eu te disse que eu faria... e você deixou...você deixou!
Eu sabia que eu nunca seria metade da sua projeção...
Eu precisaria crescer... muito... para ser essa metade.
Enquanto eu construía castelos e pensava ser possível te amar...
Você fugia no seu cavalo branco...
E eu nem pude chorar, pois eu fingi ser forte pra você... tinha que manter essa mentira.
Agora... só a dor...
Você já vai tão longe...
“Volte, volte!!”
Não, não direi isso.

στειρότητα

A praça estava movimentada, uma profusão de cores, de risos de crianças, aquela tagarelice natural. Vozes infantis se confundiam. Pequeninos correndo, caindo, levantando e voltando a correr. Havia também os mais introspectivos: engenhosas esculturas de areia, brincadeiras solitárias. Mas todos com seu encanto.
Ela, cabeça inclinada, apoiava os pensamentos com o braço e o braço apoiava-se sobre a dura mesa de concreto.
Lançou um olhar longe, via todas aquelas inocentes almas, e via a si mesma, só, companheira de sua própria existência, sem beijos de bom dia, sem noites de sono atrapalhadas por monstros inexistentes. Só os seus, que, mesmo abstratos, não eram fruto de imaculada imaginação. Sim, os seus existiam.
Talvez, doesse um pouco a ausência da maternidade, talvez o ventre sentisse pelo fruto que nunca veio.
Lembrou de quando, ainda menina, acalentava com velhas cantigas ensinadas pela mãe as tão inanimadas bonecas. Era feliz e ousava sonhar.
Lembrou também que, já bem mocinha, quase mulher, pode ver os desencantos. Optou, tão cedo, por não mais pôr ideia nessas coisas... e,de pensar tão forte na ideia outra, alcançou o intento: secara.
Adulta e só, agora, já sentindo o peso dos anos, via aquelas crianças e as amava, mesmo sem as conhecer. Enxergava vida.
Quando, em movimento natural, voltou os olhos para si, à mente, compôs-se perfeita metáfora: era um vaso oco, em linda porcelana. Urna que apenas espera o dia de enclausurar a morte.

domingo, 11 de setembro de 2011

Considerações inacabadas sobre a morte...


Com o tempo você percebe que o que te amedronta não é a morte, mas a ideia de dor que ela traz, de sentir dor...
O que há de mais em um corpo já sem vida?
Exato! Não há nada... Não mais...
Há de menos!
Não tememos exatamente ser esse corpo vazio de alma. Tememos o caminho que nos levará ao ser o tal corpo.
Morrer? Não, o medo não é de morre, é de sentir dor (ao menos na minha visão das coisas).
 Sentir dor nunca é bom... Seja física ou emocionalmente...
Se tememos a dor física que uma doença, um tiro, até mesmo uma queda pode nos causar, tememos também a dor da falta, da ausência, que é algo mais emocional...
E se a dor física é o medo da nossa morte, a dor emocional é o medo da morte do outro...
Pra você ver:
Sentir falta do outro, às vezes, é dor tão egoísta e forte que acabamos pensando somente na necessidade de manter-nos usufruindo dessa presença. Esquecemos, para tanto, da dor que pode custar ao outro esse manter-se ao nosso lado.
Assim, às vezes, parece-me até haver tanto mais de dor no vazio que essa ausência pode deixar...
Tanto mais que sentir o gosto do próprio sangue na garganta.
E isso é tão complicado...
Quero bem fácil... Amo os seres humanos com muita facilidade e intensidade...
Perdê-los, os amados, é ideia que, em mim, carrega tanta dor...
A alma deixar o corpo, o seu corpo, esse movimento espiritual mesmo... nada deve (nunca morri para comprovar) ser  diante do fato de sua alma ser deixada por outra alma... amada, querida.
Morrer? Não, morrer não me amedronta...
E acho que nem essa dor (física) que me levará ao estado de morte... Mas isso é coisa que só comprovarei quando eu sentir mesmo essa dor.
O que me amedronta mesmo, assim que posso assegurar, é perder... Perder pessoas queridas.
A dor da ausência... Sim, ela me dá medo.

domingo, 4 de setembro de 2011

Na beira do mar...


Na beira do mar. Brisa no rosto.
Mar e céu... Imensidão negra.
Um alguém no pensamento.
Às vezes, escolhe-se pôr sentimento em cada coisa.
Às vezes, opta-se por caminhos tão estranhos.
De birra, às vezes, o ser humano cisma.
Vento. Coqueiro a balançar.
Saudade daquilo que nunca tive...
Saudade do que um dia sonhei ter...
O que terá acontecido?
Onde foi o erro?
Não existe resposta para o que apenas parece ter sido irreal.
Amar é mesmo uma escolha e você me confirmou isso...
Assim como me mostrou que, às vezes, perde-se o controle.
Mas, tudo passa... Um dia, você também passará...
As ondas, já tão fortes, rebentam nas pedras.
E a água já chegou aqui.
Creio que já esteja na hora de dormir.
Mas... Nada de sonhar!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Marinheiro...


Marinheiro, onde navega teu barco?
Um coração em todos os portos...
Mais um para os tantos que já te esperam.
Vai, vai, Marinheiro!!
Ela ficará a balançar o lenço branco.
Vai, vai, marinheiro!!
Tua profissão é mesmo navegar.
E amar?
Amor é ofício de quem fica em terra.
Tu não tens culpa, marinheiro...
Tu nunca prometeste, sequer, regato...
Que dirá de um mar?

Solitário

Acordei e não havia nada.
Nem riso, nem choro, nem cheiro...
Havia vazio... Ela havia ido.
E eu?
Meu amor abandonado exatamente onde deixei... Exatamente como deixei: intacto.
Por que ela se foi assim?
E eu sentado à soleira da porta.
Minha mão ainda estava esperando a dela...
Pergunto: Por quê? Amá-la não era suficiente?
Agora, percebo-me só. Tão só como quando estive ao seu lado, mas estranhamente dói mais.
Ela poderia estar aqui! E isso não faria diferença... Mas, talvez, seja mesmo isso que quero.
Meu Deus! O que ela pensava quando olhávamos o pôr do sol? Era o mesmo horizonte?
Sinto que tudo está claro... ou não...
Eu poderia correr e implorar pelo mínimo que ela pudesse me dar. Sim... eu poderia...
Talvez, eu vá...
E as migalhas dela, talvez, me façam feliz.
Queria fechar os olhos e não vê-la, ainda, presa à minha retina... Mas não sou forte para tanto.
Hoje, acordei e tudo que havia era aquele amor...
No chão, ao lado daquelas coisas que ela deixou...
Coisas sem importância.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

À queima-roupa

Eu via toda a destruição que eu poderia provocar.
Eu fui o mal da tua humanidade... eu sei.
Quando você me olhou e só viu infância, eu já sabia que teus olhos não tinham alcançado o que realmente sou... esse turbilhão, essa bagunça.
Quando você disse “você é linda”, eu já sabia que você não poderia ter visto tudo.
Eu já sabia que as minhas palavras não tinham alcançado a fiel significação.
Quando, nos teus olhos, eu vi, mesmo que falso, o engano, eu já sabia que eu iria te decepcionar...
Eu já sabia que eu iria destruir isso que você construiu e que pareceu tão bonito...
Eu sabia que, mais uma vez, eu seria um tiro à queima-roupa que dilaceraria todas as projeções...
Eu sinicamente sabia e, mesmo assim, deixei os dados rolarem.
A aposta, eu via, estava sendo alta... mas eu calei.
Mesmo sabendo que eu te faria perder toda a felicidade de conhecer um ser humano bom...
Eu nunca fui... mas me deixei passar.
Era tão fácil sonhar acordada no mundo real...
Mas eu sabia... eu não era nada daquele sonho...
Como um falso objeto, eu fui... Como algo que nunca fui, deixei-me parecer...
E, no fim... Ah, não houve um fim... eu te matei mesmo antes do adeus, eu perfurei o teu peito mesmo antes de te fazer sorrir...
Eu te dei a morte, mesmo antes que eu pudesse te mostrar que em mim não havia vida até você chegar...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Insanidade...

Por que eles gritam, meu amor?
 O quarto é tão branco, o vento brando... e o mundo leve...
As enfermeiras usam branco também... é tudo tão limpo e os comprimidinhos, tão coloridinhos, trazem tanta paz...
Não sei por que eles gritam, meu amor...
A cama é macia, não tanto, mas dá pra sonhar... cheira bem...
Tudo cheira bem.
E...sabia que parei com aquela minha mania de chorar?
Não... não choro mais...
Eles ainda gritam, meu amor... por quê?
É tudo tão bonitinho... a grama é verde e o moço que nos vigia é tão educado...
Tanto... você nem sabe. Certa vez, ele me chamou de linda...
Linda... “Venha cá, linda, não é permitido entrar aí”. Ele falava de uma sala...
Eu nem ia entrar... mas ele disse “linda”...
Viu só, amor, “linda”!
Eu não entendo por que ainda tem quem grite...
Até a comida...é tão boa... sem sal, mas é boa...
Só não gosto porque não me dão talheres, sabia?  Só uma colher... uma bonita e útil colher...
Amor, não é reclamando, mas sinto falta de facas... Por que não me dão facas?
Foi você que pediu, amor?
Mais eu te prometi, amor... não vou mais fazer aquilo que fiz... eu prometi!
Ah, outro dia colocaram música pra gente ouvir, sabia?!... Lembrei de você...
De como você tocava pra mim...
Só não foi melhor porque uma moça gritava... eu não podia escutar todas as notas... nem todos os instrumentos...
Mas foi bom... era música...
Hoje percebi... você nunca mais veio me visitar...
Por quê?
Eu sei... você não gosta muito daqui, não é? Tem essa gente que grita...
Mas eu não grito, amor... não mais...
Quando você virá?
Você virá, não é?
Amor?

Anoitecer...

Eu podia ouvir o choro que havia em cada nota... em cada corda que vibrava, em cada letra das palavras que faziam a sua triste música...
Algo que falava de amor... um amor triste... um amor fraco, sem início nem fim...
E eu sentia enquanto ele tocava...
Fechava os olhos... privava o mundo do meu olhar, mortiço olhar...
Talvez ele não entendesse minhas reações...
Nem mesmo eu as entendia...
Nada eu podia fazer...  eram apenas a música, aquela música e nós...
Vez por outra, ousei abrir os olhos e observar...
Era como se ainda estivesse de olhos fechados...
Ele seguia... cada acorde suscitava uma lágrima que não se via, mas, é certo, caía...
E aquele amor, triste amor ia sendo lançado do vento... ecoava longe...
Lembro-me que deixei a cabeça pender e apoiar-se no punho cerrado...
Tudo parecia tão estranho... tão paradoxal...
Era tudo tão celeste e tão longe de Deus...
Sentia medo por não sentir medo...
Mas a música seguia... e a luz do sol, que já repousava no horizonte, ainda entrava pela janela...
Quando tudo se fez treva, o céu tornou-se um lugar possível... ao menos pra mim.

sábado, 23 de julho de 2011

Pirlimpsiquiceando... Transvivendo...

Eu, na minha inquieta mania de “dizer”, pus-me surpresa ao perceber por quanto tempo guardei/calei as ideias que, hoje, venho apresentar. Logo essas ideias... que soaram estranhamente como aquela voz que diz: eis um dos segredos da vida (ao menos da minha, como disse um querido amigo... “cada um uma vivência”).
Meses atrás, pirlimpsiquiceei... Mergulhei nesse universo roseano e ao emergir (ou ao dar a cambalhota), saltou-me do baú das ideias a importância de se transviver...
Pensei em como as pessoas vão deixando de lado esses “mundos inventados”, em como isso vai sendo posto como algo próprio ao universo infantil (e repudiado pelo universo adulto).
Daí, perguntei-me: quando crescemos? Quando deixamos de pirlimpsiquicear? Por que deixamos?
Visão ingênua ou não, renuncio a este corte infância-fase adulta... é tão necessário, vez por outra, “tirar dum canudo uma pitada do pó mágico... cheirá-lo” (que fique claro o intertexto...rsrs), “deixar o pirlimpimpim agir” ...
Não digo, claro, que devemos sempre ser um Zé Boné... a varar recreios reproduzindo fitas de cinema, mas falo de permitir-se, vez por outra, sem combinação, viver esse não saber o que dizer, dizendo.
Alguém pode perguntar: isso não é fuga?
E eu, em tom de quem realmente não tem as respostas, diria:
Até que ponto, “tornar-se adulto” (não falo do caráter físico), não é fugir da liberdade que a vida te apresenta? Até que ponto esse “ser adulto” não é estreitar o caminho, reduzir as possibilidades?
Para não terminar (porque creio que isso ecoará e não calará na última linha, após o ponto), deixo um dos trechos mais lindos do conto:

Zé Boné pulou para diante, Zé Boné pulo de lado. Mas não era de faroeste, nem em estouvamento de estrepolias, Zé Boné começou a representar!
A vaia parou, total.
Zé Boné representava – de rijo e bem, certo, a fio, atilado – para toda a admiração. Êle desempenhava um importante papel, o qual a gente não sabia qual. Mas, não se podia romper em riso. Em verdade, Êle recitava com muita existência. De repente, se viu: em parte, o que ele representava, era da estória do Gamboa! Ressoaram as muitas palmas.
O pasmatório. Num instante, quente; tomei vergonha; acho que os outros também. Isso não podia, assim! Contracenamos. Começávamos, todos, de uma vez, a representar a nossa inventada estória. Zé Boné também. A coisa que aconteceu no meio da hora. Foi o ímpeto de glória – foi – sem combinação. Ressoaram outras muitas palmas.
A princípio, um disparate – as desatinadas pataratas, nem que jogo de adivinhas. Dr. Perdigão se soprava alto, em bafo, suas réplicas e deixas, destemperadas. Delas, só a pouca parte se aproveitava. O mais eram ligeiras – e solertes seriedades. Palavras de outro ar. Eu mesmo não sabia o que ia dizer, dizendo, e dito – tudo tão bem – sem sair do tom. Sei, de, mais tarde, me dizerem: que tudo tinha e tomava o forte, belo sentido, esse drama do agora, desconhecido, estúrdio, de todos o mais bonito, que  nunca houve, ninguém escreveu, não se podendo representar outra vez, e nunca mais.
Pirlimpsiquice, Guimarães Rosa.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Meninas Pequenas...

Meninas pequenas são assim mesmo...
Elas sempre te lançam um olhar de “não fui eu”, olhar esse, diga-se de passagem, quase sempre convincente.
Meninas pequenas são sempre princesas... assim, lindas e coroadas.
Coroa de flores, passarinhos a cantar.
Ai daquele garotinho que teve a “sorte” de ter uma irmã assim, menina pequena.
Ela, com aqueles olhinhos, mimosos olhinhos, poucas vezes foi a culpada. Bem sabe disso o pobre garotinho...
Meninas pequenas parecem sempre estar a rodopiar com seus vestidos esvoaçantes, mesmo estando estáticas.
Como podem? Deve ser coisa de alma!!
Meninas pequenas também enxergam príncipes... sabia? Sorte daquele que, mesmo imerso em defeitos, ganhe tal posto da realeza. 
E quando Nosso Senhor Jesus falou dos pequeninos, puras e inocentes crianças resguardadas entre nuvens,  penso eu, que não só, mas com zelo especial, ele tinha em mente meninas pequenas.
Assim mesmo... Aura de intocáveis.
E o que dizer mais?
Enfim, meninas pequenas, são meninas pequenas... só há o que admirar!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Aparente...


Na penumbra  da noite também já verti grossas lágrimas.
Não foste só tu que choraste pelo amor que não veio.
A minha solidão não doeu menos que a tua,
Meu infortúnio também foi pesado.
Também provei do gosto amargo de perder a aspirada imagem ao despertar.
Não, não... meu ódio não foi menor que o teu
Já me vi puro escárnio .
E, no escuro da noite chuvosa, já chorei essa impura existência.
Sim, talvez eu já tenha visto o rosto da morte...
E ela me pode ter sido bela.
Ahh... e a mim, bem mais que a ti, a beleza não foi recanto.
O chão, o mais vil chão... a lama por onde rastejei, a tua face lívida jamais sonhou, sequer, fitar.
E o pesar dos teus versinhos, poetinha,  choram as magoas, por ti, criadas
Os meus, em falsa alegria, camuflam meu lado negro, agora, a ti revelado.

domingo, 26 de junho de 2011

Tardes de domingo...

O que ela tinha a oferecer era o bastante pra os anseios daquele homem.
Nada de mais ela queria, e tudo que podia, a ele, dava...
Havia algo de pactual naquela relação, mas não havia nenhuma obrigatoriedade,
Ambos satisfaziam-se e isso bastava.
A moça, a linda moça das tardes quentes de paixão aos domingos, em nada se importava com a existência daquela que, cordialmente, intitulara por Ela...
Eram mesmo até raros os pensamentos da moça em relação a essa existência.
Sabia claramente que cada uma pertencia a diferentes instâncias na vida daquele homem e seu lugar a satisfazia. Jamais quisera o outro posto, nem sequer a idéia lhe passara pela mente...
Mas o que levava aquele homem a querer a moça, se já possuía aquela, que era a Ela, e se a moça, em sua inquietação ante as amarras, jamais seria, a ele, coisa possuída?
Talvez nem ele mesmo compreendesse tal coisa e, até, por várias vezes pensou-se louco, questionou-se sobre a existência da tal moça... fonte de seus prazeres.
Talvez a existência dela, a ele, parecesse tão improvável, tão descabida pelo fato dele jamais ter visto vida assim... tão de perto...
E o mais estranho para ele é que, disso, precisava.
E a moça era bem assim... um turbilhão de coisas que raramente se vê em moças...
Era pura essência da liberdade e isso, às vezes, parece que o assustava...
 Mas passava o assombro já estava ele ali novamente a querê-la, a desejá-la...
E as tardes quentes de domingo seguiam sempre assim, quentes e felizes... havia vida naquilo tudo e a vida, simples vida era o suficiente... dispensava a idéia de amor...
A moça jamais construíra isso em sua cabeça, até repudiava com todas as forças tal idéia...
Foi então, quando, certo dia, pôs-se surpresa ao presenciar um olhar, um vago olhar daquele homem... havia algo a mais ali...
Tamanho foi o terror que lhe acometeu aquele breve instante do olhar que seu corpo gelou...
Como podia aquele homem tê-la olhado assim?
Havia muita ternura e muito afeto naquele olhar... Como ele pudera fazer isso?
Isso foi demais... Logo à moça? Tão livre...
De repúdio, a moça virou-lhe as costas e as tardes de domingo jamais voltaram a ser tão quentes como foram um dia.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Tão estranho...

Tão estranho...
Tu e todos os teus fantasmas afastaram, de mim, os meus.
E tão paradoxal o modo como tua insegurança deixou-me tão segura...
E eu segurei tua mão.
Teu mínimo sorriso deixou o meu assim tão frouxo, tão fácil...
Tua simples existência rasgou, em meu peito, larga expressão de felicidade
Dentes à amostra.
E o mundo, azul?
Talvez, ao teu lado seja sim, sempre azul... de vários tons.
E agora, depois de ti, tenho asas,
Mas elas não dependem de ti para alçar longos voos
Só querem... simplesmente querem... para  ti.
E se, antes, a mim, o mundo poderia ser pó
Agora, que seja mundo!
Com todos os erros e defeitos...
E que nele eu possa te amar
E que isso seja, não somente, mas também, motivo para rir de todo o resto.