quarta-feira, 18 de maio de 2011

Um bom presente... um texto!

Último dia 5 foi meu aniversário. Um presente, nada convencional (ao menos para mim), chamou-me a atenção: um texto. O que havia, ali, de tão especial? Ao certo, não sei... Mas quem não gosta de ver-se, através dos olhos dos outros, (re)construído?
Verdade!!Há quem não goste!
Mas eu... eu gosto!! Não tenho vergonha da imagem que crio no outro. De fato... Ela, a bendita imagem, também é parte do que sou... Mesmo que feia ou frágil. Seria ingênuo negar isso.
Enfim... Perdoados esses arroubos de reflexões baratas que antecedem o que interessa... Vamos ao texto!!


A MOÇA
Por Maria Eduarda Gomes Peixoto.

O nome insinuava qualquer coisa que lembre vida, assim breve e superficialmente, como só de relance. Mas, acaso vistes a moça? Não falo de saber-lhe a existência, a materialidade e a beleza. Falo de vê-la absolutamente. Ver a criatura viva, a mexer-se, a sorrir, a andar, a soar como música rente ao ouvido. Vistes? Não, eu sei que não. Há de se ter medo em ver aquela mulher, porque a mulher lívia só pode ser vista à queima-roupa. E eu a vi.
Desde que vi a moça, dei para pensar muito. Que acham de mim? Eu que só tenho o que achar da moça. Não me vêem como a vejo, porque ela é tão calma e fresca como rosa que acaba de desabrochar, e eu vermelha, muito vermelha, quase roxa, não tenho nada parecido com o mundo que ela leva nos olhos, assim feliz e suavemente, um mundo com certeza inventado. Eu tive inveja e amor pela moça de olhos castanhos. Tentei, cansáveis vezes, fazer parecer que então também carregava um mundo bonito à retina de breu, se não um mundo, pelo menos uma estrela, mas lembrava a moça de olhos de mel e logo se desbotava da vista minha falsa o pequeno liame de luz que, a muito custo, eu acendia. Pardavascos, novamente. São grandes como os dela, mas são negros. Uma escuridão só.
A voz. Ouvistes a voz? A voz da moça era lívia. Desafinada e lívia, como voz de moça mesmo, meio de mãe, em tom bruto de amor, meio de menina malina, uma verdade doída de ingenuidade e transparência. Eu, até ouvir a moça, orgulhava-me da minha voz. Sonora. Altiva. E só. Faltava-me a alma, um espírito que falasse por trás de mim e por mim, a ponto de alguém sacar um sentimento que me dói ou alegra e não apenas descobrir-me, mas também me amar e confortar-se à voz que sou. Era assim que eu ouvia a moça. Quando, em suas conversas, eu me sentia cômoda e em paz, a quase adormecer por confiança, imediatamente tentava me distrair, detalhes na blusa, brincos, livros. (Ela era afeita à leitura, como eu.) Eu mudava de assunto e tomava violentamente a vez de falar. Como pode? Ela era desafinada, falava e ria ao mesmo tempo, atropelando letras, baixando e subindo a entonação sem razão e insuportavelmente, como numa diafonia. Eu fiz canto! Como pode? Isso mesmo. Uma jandaia com alma e um sabiá oco, que queres tu ouvir?
A moça lívia era até onde eu, sem ela, nunca chegaria. Era uma vida que não a minha, e isso me corroía e sarava a carne ferida. Era o que vi no espelho há muito tempo, há tanto que me tornou um tempo que nunca existiu. A moça não era a descoberta de mim, era a re-descoberta de mim. A reconquista é sempre mais difícil, tu não achas? Podes vê-la agora? Não, sei que não. Só eu a vejo. Só eu a vejo dessa forma.
Que, sendo assim, fique contigo ao menos a rasura do que pode ter como imagem rósa e lívia desta moça, porque vendo-a como a vi, o que quer que tenha por ela te fará bem, como fez a mim. São Jorge, tão ocupado com teu dragão lá no alto, a mostrar às sombras longínquas toda tua coragem, suposta coragem, serias forte também para amar esta moça?

à Lívia.

Um comentário:

  1. Puxa vida! Que descrição linda...Adorei mesmo o texto da Maria Eduarda, que faz jus à presentada, privilegiada, por sinal. Você, Lívia, é realmente cheia de vida. Me emocionei com esse texto. Parabéns - às duas!

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