sexta-feira, 3 de junho de 2011

Aquele garoto...

Quando fazia música, fazia-se música. Dava pra ver...
Era alma imersa em outros universos, de fato, também inventados, assim como os meus.
Pretensão dos apaixonados, queria ser-lhe entusiasmo criador...
É certo, jamais seria.
Mesmo assim, ver, simplesmente ver... bastava-me:
Punha-se de olhos cerrados a sentir o verbo vir, a melodia chegar...
Enfim era canto.
E os meus olhos, em tantas vezes que o procurava, achavam-o sempre envolto nessa atmosfera.
Certa vez, cheguei a ver as mimosas notinhas que deixava cair por onde passava.
Descuidada como sou, tropecei em uma clave de sol!
Isso o fez olhar para trás e, em gesto de reprovação, balançar a cabeça.  
Senti-me ridícula, lembro.
Tinha olhos não sei de que cor...
Então, eu a inventava:
Dias de sol, dava-lhe olhos castanho-claros, não sei por qual motivação.
Dias de chuva, ao fitar grandes nuvens carregadas  conferia-lhe à face, por minha memória resgatada, dois pontos negros, mínimos abismos...
E esses sempre, sempre lhe caiam bem...
Pois sempre me pareceu trazer algo de perigoso e sombrio.
Eu, que estava diariamente a tagarelar impropérios a todos quantos nem quisessem me ouvir, que estava sempre a rir convulsamente de bobagens, poderia cobiçar aquele que se resguardava ao choro quase silencioso de acordes pesarosamente tristes?
Queria eu chorar junto àquele coração ferido,
Escutar as nebulosas batidas de perto.
Então, com a presteza de um raio percebi. Uma constatação óbvia...
Chovia e, no breu daquela retina inventada, no lamento da melodia triste, só havia uma verdade.
E, de repente, uma lágrima caía, eu não a via, mas caía... e era minha.
Não, não tinha fim aquele abismo...
Mas, engraçado, eu não tive medo.

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